segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Um poema de Mihály Babits




FEITO UM ESTRANHO ARAUTO

Feito um estranho arauto que não sabe de notícia,
pois passara o verão no topo da montanha e quado,
à noite, as luzes da cidade embaixo se acendiam,
não as via maiores nem mais claras que as estrelas,

e, se ouvia um zumbido, especulava: carro? avião?
ou lancha no Danúbio vítreo? e se no vale ecoava
difuso um fragor surdo, deduzia que: trabalha o
pedreiro ou, na ribeira oposta, o mau vizinho testa

metralhadoras – dava-lhe na mesma! ele sabia
que a raça humana é tola, inquieta, estraga o que há de bom,
constrói durante séculos e, em rixas de criança,
destrói tudo de novo, o espólio amargo das quadrilhas

a instiga mais que o florescer da terra ou do que a chama
do amor e da razão cegando céu acima os deuses
sempre obstinados – ciente disso o arauto da montanha
se escondeu, longe das notícias; mas, se açoite em mão,

o vento chega embriagado, e, em fuga, o sol cruel
sorri lascivo enquanto deixa as frondes – ex-amantes
que, em dor suicida, empalidecem oscilando como
dançarina que, enferma, morre em meio à dança – o arauto

se ergue e, com seu cajado, desce aos vales populosos,
tangido da montanha por grandes notícias; quando
lhe perguntam, porém, quais são, só sabe: que é outono!
e alardeia o que todo mundo sabe: que é outono!

minhas notícias são assim – e como há mais nascentes
nos montes mais nevados, o meu velho coração
também transborda de palavras: que notícias trago
no entanto? e que me importam? ferve o mundo onde competem

dias com anos e estes com os séculos, agitam-se
doidos os povos: e daí? contemplo o outono apenas
e o sinto como os mansos animais e as plantas sábias,
sinto que a terra adentra áreas do céu mais apagadas,

que seu alento, como o dos amantes, enlanguesce –
ó santo Ritmo, grão ritmo do amor eterno, ritmo
dos anos e dos versos do Senhor – como é minúsculo
tudo de humano – eu ouço os passos tímidos do inverno,

já vem o tigre branco que se estende sobre os campos,
que range os dentes, morde, move os membros preguiçosos,
mancha a paisagem com seus pelos e, indo embora, embrenha-se
nas selvas olorosas de uma nova primavera.

Mihály Babits nasceu a 26 de novembro de 1883 em Szekszárd. Estudou na Universidade de Budapeste; lecionou em várias cidades de seu país: Baja, Szeged, Fogaras, Újpest e Budapeste. De uma viagem à Itália em 1908, ano quando começou a publicar sua poesia, começou a se interessar por Dante, experiência que o levou a traduzir a Divina comédia. Logo após a Revolução Húngara de 1919, tornou-se professor de literatura estrangeira e húngara moderna na Universidade de Budapeste e logo foi demitido por seu pacifismo após a queda do governo revolucionário. Foi redator da prestigiada revista Nyugat. Além de poesia, fortemente influenciada por formas clássicas e inglesas, escreveu prosa, tornando-se um dos principais nomes da literatura de ficção científica. Morreu a 4 de agosto de 1941 em Budapeste.

* Tradução de Nelson Ascher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário