O JARDIM
Existe um
jardim antigo com o qual às vezes sonho,
sobre o qual
o sol de maio despeja um brilho tristonho;
onde as
flores mais vistosas perderam a cor, secaram;
e as paredes
e as colunas são ideias que passaram.
Crescem
heras de entre as fendas, e o matagal desgrenhado
sufoca a
pérgula, e o tanque foi pelo musgo tomado.
Pelas áleas
silenciosas vê-se a erva esparsa brotar,
e o odor
mofado de coisas mortas se derrama no ar.
Não há
nenhuma criatura viva no espaço ao redor,
e entre a
quietude das cercas não se ouve qualquer rumor.
E, enquanto
ando, observo, escuto, uma ânsia às vezes me invade
de saber
quando é que vi tal jardim numa outra idade.
A visão de
dias idos em mim ressurge e demora,
quando olho
as cenas cinzentas que sinto ter visto outrora.
E, de
tristeza, estremeço ao ver que essas flores são
minhas
esperanças murchas – e o jardim, meu coração.
OS GATOS
Babéis de
blocos que se elevam para os céus,
futilidade a
arder em chamas junto ao chão;
sobre cada
tijolo ou pedra um fungo mau;
lâmpadas a
oscilar e luz na escuridão.
Por sobre
rios de óleo hediondas pontes negras,
cabos que em
profusão de redes se entretecem;
profundezas
de caos cuja desordem mana
fluxos que,
à luz do sol, fétidos apodrecem.
Esplendor e
matiz, doenças e decadência,
uivos,
gritos, clamor e um rastejar insano;
exóticas
ralés orando a estranhos deuses;
misturadas
de odor que à mente causam dano.
Legiões de
gatos que das vielas noturnais,
furtivos, a
gemer para o clarão da lua,
plangendo
dos jardins de Pluto a cantilena,
exprimem o
futuro em gritos infernais.
Compridas
torres e pirâmides ruinosas,
voos de
morcegos sobre ruas que a erva esconde,
pontes nuas
de Arkham erguidas sobre rios
que fluem em
silêncio enquanto essa horda ronde.
Campanários
que mal se sustentam ao luar,
bocarras de
antros pelo musgo recobertas;
e, para
responder ao vento e à água, só os gatos
que
vagueiam, a miar, tais paragens desertas.
•
H. P.
Lovecraft nasceu em Providence, Rhode Island, a 20 de agosto de 1890, onde viveu
até sua morte a 15 de março de 1937. Reconhecido como um dos que revolucionou a
literatura de terror, seu nome é mais lembrado pela produção em prosa. Mas sua atividade
literária incluiu a escrita de poemas fortemente marcado pelos elementos recorrentes
na sua profusa atmosfera imaginativa.
* Traduções
de Renato Suttana.
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