segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Dois poemas de H. P. Lovecraft




O JARDIM

Existe um jardim antigo com o qual às vezes sonho,
sobre o qual o sol de maio despeja um brilho tristonho;
onde as flores mais vistosas perderam a cor, secaram;
e as paredes e as colunas são ideias que passaram.
Crescem heras de entre as fendas, e o matagal desgrenhado
sufoca a pérgula, e o tanque foi pelo musgo tomado.
Pelas áleas silenciosas vê-se a erva esparsa brotar,
e o odor mofado de coisas mortas se derrama no ar.

Não há nenhuma criatura viva no espaço ao redor,
e entre a quietude das cercas não se ouve qualquer rumor.
E, enquanto ando, observo, escuto, uma ânsia às vezes me invade
de saber quando é que vi tal jardim numa outra idade.
A visão de dias idos em mim ressurge e demora,
quando olho as cenas cinzentas que sinto ter visto outrora.
E, de tristeza, estremeço ao ver que essas flores são
minhas esperanças murchas – e o jardim, meu coração.


OS GATOS

Babéis de blocos que se elevam para os céus,
futilidade a arder em chamas junto ao chão;
sobre cada tijolo ou pedra um fungo mau;
lâmpadas a oscilar e luz na escuridão.

Por sobre rios de óleo hediondas pontes negras,
cabos que em profusão de redes se entretecem;
profundezas de caos cuja desordem mana
fluxos que, à luz do sol, fétidos apodrecem.

Esplendor e matiz, doenças e decadência,
uivos, gritos, clamor e um rastejar insano;
exóticas ralés orando a estranhos deuses;
misturadas de odor que à mente causam dano.

Legiões de gatos que das vielas noturnais,
furtivos, a gemer para o clarão da lua,
plangendo dos jardins de Pluto a cantilena,
exprimem o futuro em gritos infernais.

Compridas torres e pirâmides ruinosas,
voos de morcegos sobre ruas que a erva esconde,
pontes nuas de Arkham erguidas sobre rios
que fluem em silêncio enquanto essa horda ronde.

Campanários que mal se sustentam ao luar,
bocarras de antros pelo musgo recobertas;
e, para responder ao vento e à água, só os gatos
que vagueiam, a miar, tais paragens desertas.

H. P. Lovecraft nasceu em Providence, Rhode Island, a 20 de agosto de 1890, onde viveu até sua morte a 15 de março de 1937. Reconhecido como um dos que revolucionou a literatura de terror, seu nome é mais lembrado pela produção em prosa. Mas sua atividade literária incluiu a escrita de poemas fortemente marcado pelos elementos recorrentes na sua profusa atmosfera imaginativa.

* Traduções de Renato Suttana.


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