PESO DE
OUTONO
Eu vi o Outono desprender suas folhas,
cair no regaço de mulheres muito
loucas.
Cem duzentas pessoas num café cheio de fumo
na cidade de Heidelberg
pronta para a neve
saboreavam tepidamente a sua ignorância.
Eu vi as amantes
ensandecerem
com esse peso de Outono. Perderem as forças
com o Outono masculino
e sangrento.
Os gritos a meio da noite
das amantes a meio da loucura voavam
como facas para o meu peito.
Alguns poetas li-os melhor no Outono,
certos
amores só poderia tê-los,
como tive, nos dias doces da vindima.
SENTO-ME NA
TUA TERNURA. A CHUVA CAI…
Sento-me na tua ternura. A chuva cai,
olhas-me
tão fundo que de repente
sou de vidro, cuidado, vou quebrar!
Acaba triste o mês
de Maio, perto.
E estás no Maio triste, na chuva e no vento,
a tua ternura quer
matar-me.
Quem sabe, amor, onde o amor se fere?
TENTAS, DE
LONGE
Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o
Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas
caindo.
Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente.
O POETA
CERCADO
O poeta está cercado. Espera-o
um avô muito velho. As cartas chegam com
pequenas manchas
de lágrimas — alguém ao longe invoca
o poeta cercado.
E ele grita:
afaste-se a noite. Mas vem a noite
cercá-lo ainda mais.
Uma
casa com um avô muito velho
manda revistas, soluços, cartas,
apaga-se na
distância. (Mas vem o medo
cercá-lo ainda mais.)
O poeta escreve os seus papéis
furtivamente.
Come com gestos lentos e imprecisos.
Bebe em silêncio. Olha as
matas em volta.
Dorme enrolado no seu cobertor
como o romeiro do Senhor da
Serra,
mas pior, e menos, porque não há deus.
O poeta cintila penosamente
entre
o nevoeiro.
•
Fernando
Assis Pacheco nasceu em 1º de fevereiro de 1937 em Coimbra. Publicou uma dezena de livros de poemas e plaquetes de circulação restrita,
entre os quais Cuidar dos vivos (1963), Catalabanza, Quilolo e
Volta (1972), Memórias do contencioso (1980), Variações em Sousa (1987) e, postumamente, Respiração assistida (2003). Em 1991 reuniu os seus poemas em A musa irregular. Morreu em 30 de novembro de 1995, em Lisboa.
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