A ARTE DE
NARRAR
Agora escuto
uma voz que não é mais que memória. Na
folha
branca, o
olho roça a rede negra que brilha, por momentos,
como cabelos
imóveis contra a luz que resplandece,
tensa,
ao
anoitecer. Escuto o eco de uma palavra que ressoou
antes que a
palpitação do ouvido batesse, e estremece
a caixa
vermelha do coração simples como uma navalha. Não existe
outra coisa
que dias atravessados de violência sutil, prisão
aberta aos
momentos mais límpidos que o fogo? É o
rumor
da memória
de todos que cresce – o ressoar de passos
sobre
caminhos duros como planetas que se entrecruzam em
regiões reais –
com o mesmo
rumor inaudível dos corpos que se abrem
e da chuva
verde que se abre impossível sobre uma árvore
gloriosa. Nado
num rio incerto
que dizem que me leva da memória à
voz.
DYLAN
THOMAS IN AMÉRICA
Nos aviões e
nos trens, alguém
se sente
sólido e eterno. Mas uma morte
dócil me
esperava no silêncio frio
do hospital.
Trabalhei sem medo
e por cada
minuto que vivi
coloquei uma
pedra sobre meu corpo cego e carcomido
até que a
turva realidade e meu espesso
silêncio se
fizeram uma só cicatriz
lisa como
uma lâmina.
After the
first death, there is no other.
Mas a tênue esmeralda
das samambaias,
como uma névoa rochosa,
morreu dez
vezes desde então, em cada tenso
inverno, nos
jardins de Gales,
e por dez
vezes, fênix frágil,
renasceu.
DON
GIOVANNI
Na prisão da
pele, o prazer
de Sísifo é
um trabalho forçado
e o post
coitum triste a liberdade
provisória.
RUÍDOS DE
ÁGUA
Ninguém
está, embora pareça estar, no mundo.
Como quando
na água lisa e resplandecente
cai uma
pedra que rasga o ar com seu eco,
como o todo,
permanência imóvel,
se abre e se
fecha a cada nó, fugaz, de acontecer.
Ruídos de água.
E silêncio, depois,
num lugar antigo
e sem fronteiras.
•
Juan José
Saer nasceu a 28 de junho de 1937 em Serodino, Santa Fé, Argentina. Considerado
um dos nomes mais importantes da literatura em seu país, sua obra se
desenvolveu predominantemente na prosa, da qual se destaca por romances como O
enteado, As nuvens, O grande entre outros. Na poesia, escreveu
uma variedade de textos esparsos. Morreu a 11 de junho de 2005, em Paris,
França.
* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto
* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto
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