De tudo me
afastei, por não querença
ou medo de
demais querer a tudo
e de fixar
em ócio e inexistência
o móbil ser
ideal com que me iludo.
E de tudo
herdei minha inocência,
este sentido
de não ser, agudo,
vivo
mistério e tão mortal ciência
que me
aprendeu a ouvir o verso mudo.
A vida não vivi,
―
hora distante
que nunca se
deteve em meu caminho.
A imagem
vista em ver era bastante.
Mas, se não sei
nem mesmo o que devoro,
e me consome
a mim, e é sozinho,
suor de
aurora, poesia, eu fui teu poro.
NARCISO
Nesse líquido
olhar reincidente
debruça o
acontecer sua vaidade
e eis que te
vejo, enfim, nesta corrente
ó minha
face, tu és a realidade.
Num raso
limite ergues o teu pente
e a imagem
lavrada em tempo e idade
entre
prismas, cristais, ora se evade
sem passado,
futuro, e sem presente.
Tua metamorfose
é um naufrágio manso
num longo
rio de sangue infravermelho
onde eu não seria
e súbito me alcanço.
Quanto te
elides inda é teu o espaço
Narciso,
sim, Narciso estás no espelho
em dia
avesso, nessa noite de aço.
*
Mar.
O pássaro
feriu o espelho e libertou a imagem.
Ouço o canto
dos náufragos, dos reencontrados.
Espumas.
Véus.
Boiaram os
pensamentos das virgens.
São
mensagens.
Eu descerei
para as núpcias.
•
Maria Ângela
Alvim nasceu a 1º de janeiro de 1926, na Fazenda do Pouso Alegre, município de
Volta Grande, em Minas Gerais. Publicou um único livro em vida Superfície
(1951). Postumamente, Lélia Coelho Frota edita a poesia reunida da poeta, pela
primeira vez, em 1962 em Poemas; em 1980, uma segunda edição amplia essa
obra, que inclui, além da poesia o texto em prosa Carta a um cortador
de linho. Morreu no Rio de Janeiro a 19 de outubro de 1959.
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