GEOGRAFIA
A oriente
o horizonte escarlate
da dor humana
a ocidente
o crepúsculo
no fim do percurso
a norte
o Senhor da Morte
a sul
o vento do deserto
em cima
o olho do mundo
em baixo
o sonho indestrutível
O MENOS POSSÍVEL
Respirar
o menos possível
nestas cidades
de uma tristeza
sem idade
abrindo o espaço
com os gestos lentos de um
náufrago
a caminho
do fundo
A noite sobe-me
na voz
como um lugar
capaz de imaginar
sozinho
o seu cenário
onde o azul
dorme
numa cave
com os cães
ESTRADA
Noite sem rasto guia-me até ao meu
destino
escondido na solidão das ruas
inconcreto na vastidão das horas
onde tu existes misteriosa e
nocturna
no teu perfil de bruxa e da rainha
apátrida e nostálgica
deslizando no vidro da madrugada
azulando de raios gelados o dia
que nasce
viva e oculta
cada vez mais viva e oculta
cada vez mais única de amor humano
com a tristeza das luzes marítimas
com a gravidade de quem parte
suavemente para sempre
•
Ernesto Sampaio nasceu em Lisboa a
10 de dezembro de 1935. Integra como nome principal o grupo do surrealismo
português ao lado de nomes como Mário Cesariny. Colaborou com a revista Pirâmide
e trabalhou nos jornais Diário de Lisboa e o suplemento Mil Folhas,
do jornal Público. Traduziu, entre outros Antonin Artaud, André Breton,
Thomas Bernhard, Oscar Wilde e T. S. Eliot. Autor de obra breve, sua estreia na
literatura acontece em 1957 com a publicação de Luz central; a este
livro se seguiram Para uma cultura fascinante (1958), A procura do
silêncio (1986), O sal vertido (1988), Feriados nacionais
(1999), Ideias lebres (1999) e Fernanda (2000). Em 1988 recebeu o
prêmio Jacinto do Prado Coelho. Morreu a 5 de dezembro de 2001, na cidade onde
nasceu.
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