terça-feira, 14 de abril de 2020

Três poemas de Ernesto Sampaio




GEOGRAFIA

A oriente
o horizonte escarlate
da dor humana
a ocidente
o crepúsculo
no fim do percurso
a norte
o Senhor da Morte
a sul
o vento do deserto
em cima
o olho do mundo
em baixo
o sonho indestrutível


O MENOS POSSÍVEL

Respirar
o menos possível
nestas cidades
de uma tristeza
sem idade
abrindo o espaço
com os gestos lentos de um náufrago
a caminho
do fundo

A noite sobe-me
na voz
como um lugar
capaz de imaginar
sozinho
o seu cenário
onde o azul
dorme
numa cave
com os cães


ESTRADA

Noite sem rasto guia-me até ao meu destino
escondido na solidão das ruas
inconcreto na vastidão das horas
onde tu existes misteriosa e nocturna
no teu perfil de bruxa e da rainha
apátrida e nostálgica
deslizando no vidro da madrugada
azulando de raios gelados o dia que nasce
viva e oculta
cada vez mais viva e oculta
cada vez mais única de amor humano
com a tristeza das luzes marítimas
com a gravidade de quem parte
suavemente para sempre

Ernesto Sampaio nasceu em Lisboa a 10 de dezembro de 1935. Integra como nome principal o grupo do surrealismo português ao lado de nomes como Mário Cesariny. Colaborou com a revista Pirâmide e trabalhou nos jornais Diário de Lisboa e o suplemento Mil Folhas, do jornal Público. Traduziu, entre outros Antonin Artaud, André Breton, Thomas Bernhard, Oscar Wilde e T. S. Eliot. Autor de obra breve, sua estreia na literatura acontece em 1957 com a publicação de Luz central; a este livro se seguiram Para uma cultura fascinante (1958), A procura do silêncio (1986), O sal vertido (1988), Feriados nacionais (1999), Ideias lebres (1999) e Fernanda (2000). Em 1988 recebeu o prêmio Jacinto do Prado Coelho. Morreu a 5 de dezembro de 2001, na cidade onde nasceu.


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