AINDA QUENTE
A chave ainda está quente do
molde, a prata
nos meus dedos como uma flecha
afiada. Fecho a mão sobre
a superfície brilhante e sinto a
serrilha
tão recente a cortar-me,
estéril num corpo humano
mas ainda útil. Fico vincado
e viciado
com a sua aspereza, firme como
cortiça
ou alumínio. Pressiono a minha
unha
contra a extremidade dentada e
percebo
a necessidade de entender em
Braille
a minha antítese, ou aquilo que me
humilha. E quando descubro isso
viro-me, como uma chave, e sinto
vontade
de usar de novo as minhas agudas
faculdades
em matéria mais maleável.
E ver a minha influência a abrir
uma porta.
SOLTEIROS
O que sabem sobre o amor,
esses homens que nunca foram
casados?
O que sabem eles
sobre viver cara a cara com a
felicidade,
esses apaixonados amadores?
Percebem que é como era em casa
deles,
ter a nossa família,
ver os ossinhos que se tornam
fortes,
os olhos que nos contemplam?
Entendem que as coisas de repente
são como são por culpa nossa,
porque agora somos nós
os responsáveis e não os nossos
pais?
Compreendem o que isso significa,
esses homens solteiros e bronzeados?
Ou só ligam a automóveis?
E que sabem eles do candeeiro da
mesa-de-cabeceira,
esses Romeus de calças de ganga,
a sua esfera de influência quando
a noite cai,
o interruptor tão familiar na mão:
ligado-desligado,
desligado-ligado, mil cliques
meio no escuro, meio fora do
escuro,
com um ritmo bem medido, ou então
nada feito,
ou então a lâmpada canta sozinha
do teu lado da cama?
Orgulho na raiva. Eis a
felicidade.
Uma semente venenosa que desagua
contigo
numa ilha deserta a que chegaste,
a tua impotência em flor como uma
rosa de estufa.
E falam eles do amor,
esses homens que nunca foram
casados.
•
Hugo Williams nasceu em Windsor,
Inglaterra, a 20 de fevereiro de 1942. Sua trajetória pela literatura inclui a
escrita de ensaios, livros de viagens. Mas se destaca na poesia, gênero que o transformou
num dos mais influentes poetas de língua inglesa do século XX. Sua estreia na
poesia acontece em 1965 com a publicação de Symptoms of Loss; em 2000
ganhou o prêmio T. S. Eliot com o livro Billy’s Rain.
* Traduções de Pedro Mexia.
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