terça-feira, 26 de maio de 2020

Dois poemas de Hugo Williams




AINDA QUENTE

A chave ainda está quente do molde, a prata
nos meus dedos como uma flecha
afiada. Fecho a mão sobre

a superfície brilhante e sinto a serrilha
tão recente a cortar-me,
estéril num corpo humano

mas ainda útil. Fico vincado
e viciado
com a sua aspereza, firme como cortiça

ou alumínio. Pressiono a minha unha
contra a extremidade dentada e percebo
a necessidade de entender em Braille

a minha antítese, ou aquilo que me
humilha. E quando descubro isso
viro-me, como uma chave, e sinto vontade

de usar de novo as minhas agudas faculdades
em matéria mais maleável.
E ver a minha influência a abrir uma porta.


SOLTEIROS

O que sabem sobre o amor,
esses homens que nunca foram casados?
O que sabem eles
sobre viver cara a cara com a felicidade,
esses apaixonados amadores?
Percebem que é como era em casa deles,
ter a nossa família,
ver os ossinhos que se tornam fortes,
 os olhos que nos contemplam?
Entendem que as coisas de repente
são como são por culpa nossa,
porque agora somos nós
os responsáveis e não os nossos pais?
Compreendem o que isso significa,
esses homens solteiros e bronzeados? Ou só ligam a automóveis?

E que sabem eles do candeeiro da mesa-de-cabeceira,
esses Romeus de calças de ganga,
a sua esfera de influência quando a noite cai,
o interruptor tão familiar na mão:
ligado-desligado, desligado-ligado, mil cliques
meio no escuro, meio fora do escuro,
com um ritmo bem medido, ou então nada feito,
ou então a lâmpada canta sozinha
do teu lado da cama?
Orgulho na raiva. Eis a felicidade.
Uma semente venenosa que desagua contigo
numa ilha deserta a que chegaste,
a tua impotência em flor como uma rosa de estufa.
E falam eles do amor,
esses homens que nunca foram casados.

Hugo Williams nasceu em Windsor, Inglaterra, a 20 de fevereiro de 1942. Sua trajetória pela literatura inclui a escrita de ensaios, livros de viagens. Mas se destaca na poesia, gênero que o transformou num dos mais influentes poetas de língua inglesa do século XX. Sua estreia na poesia acontece em 1965 com a publicação de Symptoms of Loss; em 2000 ganhou o prêmio T. S. Eliot com o livro Billy’s Rain.

* Traduções de Pedro Mexia.

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