O MITO DE
SI-SI-FU *
Aos quarentanos
na cartomante
procuro o
futuro
na bolha, de
cristal.
“Meu filho
no teu fu
há um monturo
no teu fu-tu
há um furo
teu futuro
si fu”
“Minha
velha, te esconjuro
você é gaga
ou gagá?”
Parto a
bolha, em estilhaços
e vou pra
casa
consultar a
Junk-Box.
* Si-si-fu, monge da mitologia de todos os povos, perguntara a seu
mestre onde poderia encontrar a felicidade? “A felicidade estará no alto de um
monte, desde que você consiga carregá-la até lá”, respondeu o Mestre. Mas a
cada vez que Si-si-fu transportava penosamente sua felicidade até o cume
do monte, ela rolava sobre sua cabeça e descia de novo até lá em baixo.
Si-si-fu teve então uma iluminação e disse: “A vida é like a rolling stone”.
E tornou-se um homem de conhecimento.
EROTIKA
Todas as
noivas são puras
e delicadas
como avencas
na sombra.
E carregam
em sua mala de núpcias
batom,
perfume, calcinhas
e mistério.
LITERATURA
No comando da máquina
o poeta navega
voo cego
no
CAOS
No mapa noturno
vazio do Verbo
a mancha
original
Sonetos ensimesmados,
relatos do Parnaso ou Eros triunfante?
Musas virginais,
adágios penumbrosos ou um rock do cacete?
Suítes atonais,
odes sincopadas ou constelações cintilantes?
Haikus
exemplares, continhos regionais ou sagas do Ocidente?
As delícias
do eu, os recônditos do tu ou novelas polifônicas?
A Pata da
Gazela, o Finnegans Wake ou Olhai os Lírios do Campo?
Romances do
Machado, Sodomia na Gangorra ou o Inferno de Dante?
Árias do
Arrigo, trocarilhos do bandalho ou bilíngua causticante?
Epigramas
lapidares, Quimeras desvairadas ou biografia edificante?
Delírios
rapsódicos, vanguarda escrachada ou disritmia galopante?
IMORTALIDADE
(EPITÁFIO)
Minha carne
aos vermes
servem
porém
estátua
em praça
cívica
a glória
minha
é um
holograma
em cujos
louros
cagam as
pombas.
•
Sérgio
Sant'Anna nasceu no Rio de Janeiro, em 30 de outubro 1941. Considerado um dos
mestres do conto no Brasil, escreveu, além de narrativas curtas, teatro,
romance e ensaio, poesia. Neste gênero publicou Circo (1980) e Junk-Box
(1984). Ao longo dos mais de 50 anos de carreira, o escritor venceu quatro
vezes o Prêmio Jabuti, três vezes o Prêmio da Associação Paulista de Críticos
de Artes (APCA) e uma vez o prêmio da Biblioteca Nacional. O escritor morreu na
cidade natal, no dia 10 de maio de 2020.
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