terça-feira, 12 de maio de 2020

Quatro poemas de Sérgio Sant'Anna




O MITO DE SI-SI-FU *

Aos quarentanos
na cartomante
procuro o futuro
na bolha, de cristal.

“Meu filho
no teu fu há um monturo
no teu fu-tu há um furo
teu futuro si fu”

“Minha velha, te esconjuro
você é gaga ou gagá?”

Parto a bolha, em estilhaços
e vou pra casa
consultar a Junk-Box.

* Si-si-fu, monge da mitologia de todos os povos, perguntara a seu mestre onde poderia encontrar a felicidade? “A felicidade estará no alto de um monte, desde que você consiga carregá-la até lá”, respondeu o Mestre. Mas a cada vez que Si-si-fu transportava penosamente sua felicidade até o cume do monte, ela rolava sobre sua cabeça e descia de novo até lá em baixo. Si-si-fu teve então uma iluminação e disse: “A vida é like a rolling stone”. E tornou-se um homem de conhecimento.


EROTIKA

Todas as noivas são puras
e delicadas
como avencas na sombra.
E carregam em sua mala de núpcias
batom, perfume, calcinhas
e mistério.


LITERATURA

No comando da máquina
o poeta navega
voo cego
no
CAOS
No mapa noturno
vazio do Verbo
a mancha
original

Sonetos ensimesmados, relatos do Parnaso ou Eros triunfante?
Musas virginais, adágios penumbrosos ou um rock do cacete?
Suítes atonais, odes sincopadas ou constelações cintilantes?
Haikus exemplares, continhos regionais ou sagas do Ocidente?
As delícias do eu, os recônditos do tu ou novelas polifônicas?
A Pata da Gazela, o Finnegans Wake ou Olhai os Lírios do Campo?
Romances do Machado, Sodomia na Gangorra ou o Inferno de Dante?
Árias do Arrigo, trocarilhos do bandalho ou bilíngua causticante?
Epigramas lapidares, Quimeras desvairadas ou biografia edificante?
Delírios rapsódicos, vanguarda escrachada ou disritmia galopante?


IMORTALIDADE
(EPITÁFIO)

Minha carne
aos vermes servem
porém estátua
em praça cívica
a glória minha
é um holograma
em cujos louros
cagam as pombas.


Sérgio Sant'Anna nasceu no Rio de Janeiro, em 30 de outubro 1941. Considerado um dos mestres do conto no Brasil, escreveu, além de narrativas curtas, teatro, romance e ensaio, poesia. Neste gênero publicou Circo (1980) e Junk-Box (1984). Ao longo dos mais de 50 anos de carreira, o escritor venceu quatro vezes o Prêmio Jabuti, três vezes o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) e uma vez o prêmio da Biblioteca Nacional. O escritor morreu na cidade natal, no dia 10 de maio de 2020.


Nenhum comentário:

Postar um comentário