TORRE DE BABEL
Eles ergueram a torre de Babel
bem na Praça Antônio Prado.
O esqueleto de aço cobriu-se de
carne de cimento
e as vigas e guindastes
eram braços agarrando estrelas
para industrializá-las em anúncios
comerciais.
Italianos joviais,
húngaros de olhos de leopardo,
caboclos de Tietê arrastando o
caipira.
bolchevistas da Ucrânia,
polacos de Wrangel,
nipões jaldes como gnomos nanicos
talhados em âmbar
entre as pragas dos contramestres,
os rangidos das tábuas do andaime,
o estridor metálico
das vigas de aço e dos martelos
sonoros,
no céu libérrimo de S. Paulo,
fizeram a confusão das línguas,
sem perturbar a geometria rigorosa
do ciclópico arranha-céu!
Lá do alto, o paulista,
bandeirante das nuvens,
mirou o prodígio da Cidade
alucinada:
uma casa de três andares
pôs-se a crescer bruscamente
como nos romances de Wells;
outra apontou a cabeça arrepelada
de caibros
acima do viaduto do Chá;
e começou a desabalada carreira
do páreo do azul.
O formidável arranha-céu
com a cabeça nas nuvens
abrigou no seu ventre de concreto
o drama da nova civilização.
Onde estás, meu seráfico Anchieta,
erguendo com o barro de
Piratininga,
pelo milagre da tua persuasão,
as paredes rasteiras do Colégio?
CANÇÃO DO MEU SONHO ERRANTE
Eu tenho a alma errante
e vago na terra a sonhar
maravilhas...
Não paro um momento!
Eu busco irrequieto o meu sonho
inconstante
e sou como as asas, as velas, as
quilhas,
as nuvens, o vento...
Eu sou como as coisas inquietas: o
veio
que canta na leira; a fumaça que
voa
na espira que sobe das achas; o
anseio
dos longos coqueiros esguios;
a esteira de prata que deixa uma
proa
no espelho dos rios.
Eu tenho a alma errante...
Boêmio, o meu sonho procura a
carícia
fugace, procura
a glória mendaz e preclara.
Sou como a vela fenícia
ao largo, uma vela distante...
Eu tenho a alma errante...
E sinto uma estranha delícia
em tudo que passa e não dura,
em tudo que foge e não para...
DESILUSÃO
E que é amar? A estranha dor
de estilhaçar a alma em carinho...
É colher ao acaso alguma flor
para despetalá-la no caminho.
E que resta depois de tantos ais?
A saudade? Talvez... Ó alma
enganada,
de ti e da flor não resta quase
nada:
um punhado de pétalas na estrada,
um perfume nos dedos... – Nada
mais.
O CADÁVER DO ANJO
Sob os destroços do avião estava
esmagado o anjo.
Os homens de Canaveral
concluíram que era um habitante de
um planeta morto.
As asas de penas e a estrutura de
pássaro
eram porém de uma ave monstro
com o rosto de um jovem lindo
de olhos tão azuis como a poeira
celeste
que envolvia seu fluido cadáver.
Os sábios se orgulhavam de haver
destroçado o céu
e feito debandar os anjos.
Este, porém, viera protestar
contra a invasão do seu
reino
e denunciar que os homens estavam
assassinando
mitos e sonhos.
Batera na asa do jato supersônico
que frechava para a
lua
e ambos
o Ícaro bélico e o Mensageiro dos deuses
rolaram no espaço
e se espatifaram na lama.
•
Menotti Del Picchia nasceu em São
Paulo a 20 de março de 1892; ainda criança, a família mudou-se para Itapira, cidade
onde fez suas primeiras incursões pelas letras. Voltou a São Paulo para cursar
Direito, formação que, ao lado do trabalho vocacional para o jornalismo,
exercerá por toda a vida. Morou alguns anos em Santos e retorna, em definitivo
para a cidade natal, em 1920. A partir de então começa a articular os
princípios do modernismo e do futurismo que resultarão mais tarde, na companhia
de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e outros, na Semana de Arte Moderna. Escreveu
prosa (romance, contos e crônicas) e poesia; deste gênero destacam-se O amor
de Dulcineia (1930), Juca Mulato (1917), Máscaras (1920), O
Deus sem rosto (1968), Poemas do vício e da virtude (1913), entre
outros. Morreu a 23 de agosto de 1988.
Nenhum comentário:
Postar um comentário