terça-feira, 9 de junho de 2020

Quatro poemas de Terêza Tenório




MARIA SUSSUARANA
Não tenho medo da morte
Nem tenho medo da noite
Só tenho medo da força
que me prende em seu açoite

Não me virás por amor
mas paixão de vida ou morte
que a força do meu quebranto
nos amarra à mesma sorte

Sou cobra sussuarana
Meu cheiro é sangue no corte
melaço e caldo de cana
Salvou-te do meu quebranto
adormecido senhor
teu encanto e rezas fortes


TORMENTO

Tantas vozes me trazem este tormento.
Revisito cidades e planícies
rostos brancos e longas mãos vazias
quando a infância fluiu dentro do tempo.

Naufrágios que me trazem este tormento.
O teu corpo em meu corpo edificado
quantas luzes e sombras alternadas
quando o amor renasceu além do tempo.

Sangue e fogo na face este tormento.
O sólido silencio das estrelas
as lâminas de gelo da lembrança
quando a vida se fez além do tempo.


ALFA-CENTAURO

A paisagem acrílica
de Alfa-Centauro
evolui metálica
ante nossos olhos.

Antiformas bélicas
de astronaves mudas
(a mudez da pedra
gritante de um Buda).

Antiformas líricas
de astronaves puras
(a pureza fria
de alvas estruturas).

Antiformas térmicas
de astronaves límpidas
(contra um céu de chumbo
destacam-se nítidas).

Na planície densa
de gases acesos
de completo caos
surge um ser coeso.

É um ser sem alma
de face mecânica
(produto arrancado
à energia atômica).

Manoplas de aço
inoxidável.
A cabeça e o tórax
eletronizados.

Mil computadores
De urânio e cobalto
testam a resistência
do ser automático

e monstros em série
(pois tal ser mecânico
é, em verdade, um monstro)
brotam no outono.

Outono sem árvores
ou folhas caídas
ao sopro do vento
pelas avenidas.

Outono sem chuvas,
sem sol, sem ocaso,
sem fruta madura
com sabor de acaso.

Outono só fim
túmulo do verde
das cores da vida
em todo planeta.

E das astronaves
os seres sintéticos
alçam vôo clássico
com destino bélico

indo, céu adentro,
para a Terra – lívida,
descarnada, trêmula,
semi-apocalíptica.


TEM A LUCIDEZ DO QUE É VIVO

Dorme, meigo irmão, dentro da sombra
neutra, indivisível, silenciosa e úmida
do pranto que choramos
quando, ao longo de tua última hora

seguiste em teu rumo irreversível
sem florestas, sóis, luzes ou enganos.
Somente sombras. Tua espessa alma
ora experimenta sono e calma

o que a nós tristemente é negado
assim como os sinos do teu riso
límpido. Teu rosto no passado

tem a lucidez do que é vivo
e tua rigidez de morto exato
eu a sinto ainda no meu tato.

Integrante da chamada Geração de 65 e considerada um dos seus pilares, Terêza Tenório nasceu a 30 de dezembro de 1949, no Recife. Suas primeiras incursões com a poesia foram apresentadas em jornais como o suplemento literário do Diário de Pernambuco e a estreia em livro veio em 1970 com Parábola. Depois deste, vieram títulos como O círculo e a pirâmide (1976), Mandala (1980), Noturno selvagem (1981), Poemaceso (1985), livro que lhe valeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Corpo da terra (1994), Fábula do abismo (1999) e A casa dorme (2003). Sua obra foi reunida pela CEPE Editora em 2018. Terêza Tenório morreu a 7 de junho de 2020, no Recife.

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