MARIA
SUSSUARANA
Não tenho
medo da morte
Nem tenho medo da noite
Só tenho medo da força
que me prende em seu açoite
Nem tenho medo da noite
Só tenho medo da força
que me prende em seu açoite
Não me virás
por amor
mas paixão de vida ou morte
que a força do meu quebranto
nos amarra à mesma sorte
mas paixão de vida ou morte
que a força do meu quebranto
nos amarra à mesma sorte
Sou cobra
sussuarana
Meu cheiro é sangue no corte
melaço e caldo de cana
Salvou-te do meu quebranto
adormecido senhor
teu encanto e rezas fortes
Meu cheiro é sangue no corte
melaço e caldo de cana
Salvou-te do meu quebranto
adormecido senhor
teu encanto e rezas fortes
TORMENTO
Tantas vozes
me trazem este tormento.
Revisito
cidades e planícies
rostos
brancos e longas mãos vazias
quando a
infância fluiu dentro do tempo.
Naufrágios
que me trazem este tormento.
O teu corpo
em meu corpo edificado
quantas
luzes e sombras alternadas
quando o
amor renasceu além do tempo.
Sangue e
fogo na face este tormento.
O sólido
silencio das estrelas
as lâminas
de gelo da lembrança
quando a
vida se fez além do tempo.
ALFA-CENTAURO
A paisagem
acrílica
de Alfa-Centauro
evolui metálica
ante nossos olhos.
de Alfa-Centauro
evolui metálica
ante nossos olhos.
Antiformas
bélicas
de astronaves mudas
(a mudez da pedra
gritante de um Buda).
de astronaves mudas
(a mudez da pedra
gritante de um Buda).
Antiformas
líricas
de astronaves puras
(a pureza fria
de alvas estruturas).
de astronaves puras
(a pureza fria
de alvas estruturas).
Antiformas
térmicas
de astronaves límpidas
(contra um céu de chumbo
destacam-se nítidas).
de astronaves límpidas
(contra um céu de chumbo
destacam-se nítidas).
Na planície
densa
de gases acesos
de completo caos
surge um ser coeso.
de gases acesos
de completo caos
surge um ser coeso.
É um ser sem
alma
de face mecânica
(produto arrancado
à energia atômica).
de face mecânica
(produto arrancado
à energia atômica).
Manoplas de
aço
inoxidável.
A cabeça e o tórax
eletronizados.
inoxidável.
A cabeça e o tórax
eletronizados.
Mil
computadores
De urânio e cobalto
testam a resistência
do ser automático
De urânio e cobalto
testam a resistência
do ser automático
e monstros
em série
(pois tal ser mecânico
é, em verdade, um monstro)
brotam no outono.
(pois tal ser mecânico
é, em verdade, um monstro)
brotam no outono.
Outono sem
árvores
ou folhas caídas
ao sopro do vento
pelas avenidas.
ou folhas caídas
ao sopro do vento
pelas avenidas.
Outono sem
chuvas,
sem sol, sem ocaso,
sem fruta madura
com sabor de acaso.
sem sol, sem ocaso,
sem fruta madura
com sabor de acaso.
Outono só
fim
túmulo do verde
das cores da vida
em todo planeta.
túmulo do verde
das cores da vida
em todo planeta.
E das
astronaves
os seres sintéticos
alçam vôo clássico
com destino bélico
os seres sintéticos
alçam vôo clássico
com destino bélico
indo, céu
adentro,
para a Terra – lívida,
descarnada, trêmula,
semi-apocalíptica.
para a Terra – lívida,
descarnada, trêmula,
semi-apocalíptica.
TEM A
LUCIDEZ DO QUE É VIVO
Dorme, meigo
irmão, dentro da sombra
neutra, indivisível, silenciosa e úmida
do pranto que choramos
quando, ao longo de tua última hora
neutra, indivisível, silenciosa e úmida
do pranto que choramos
quando, ao longo de tua última hora
seguiste em
teu rumo irreversível
sem florestas, sóis, luzes ou enganos.
Somente sombras. Tua espessa alma
ora experimenta sono e calma
sem florestas, sóis, luzes ou enganos.
Somente sombras. Tua espessa alma
ora experimenta sono e calma
o que a nós
tristemente é negado
assim como os sinos do teu riso
límpido. Teu rosto no passado
assim como os sinos do teu riso
límpido. Teu rosto no passado
tem a
lucidez do que é vivo
e tua rigidez de morto exato
eu a sinto ainda no meu tato.
e tua rigidez de morto exato
eu a sinto ainda no meu tato.
•
Integrante
da chamada Geração de 65 e considerada um dos seus pilares, Terêza Tenório
nasceu a 30 de dezembro de 1949, no Recife. Suas primeiras incursões com a
poesia foram apresentadas em jornais como o suplemento literário do Diário de
Pernambuco e a estreia em livro veio em 1970 com Parábola. Depois
deste, vieram títulos como O círculo e a pirâmide (1976), Mandala (1980), Noturno
selvagem (1981), Poemaceso (1985), livro que lhe valeu o prêmio da
Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Corpo da terra (1994), Fábula
do abismo (1999) e A casa dorme (2003). Sua obra foi reunida pela CEPE
Editora em 2018. Terêza Tenório morreu a 7 de junho de 2020, no Recife.
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