terça-feira, 28 de julho de 2020

Dois poemas de Tomaz Kim



QUANDO A MORTE VIER
 
Quando a morte vier, meu amor,
fechemos os olhos para a olhar por dentro
e deixemos aos nossos lábios o murmúrio
da palavra branda jamais pronunciada
e às nossas mãos a carícia dispersa;
relembremos o dia impossível,
belo por isso e por isso desprezado,
e esqueçamos o que nos não deixaram ver
e o resto que sobrou do nada que possuímos;
deixemos à poesia que surge
o pranto de quem a trocou para comer
e os passos sem rumo pelas ruas hostis;
deixemos à carne o que não alcançámos,
e morramos, então, naturalmente...
 
 
TEMPO HABITUAL
 
De nojo, o tempo, o nosso,
A perfídia estrumando
No presumir da carícia branda e sorriso
De todos.
 
De raiva o tempo, o nosso,
Céu, mar e terra abrasando
Em clamor de labareda e navalha afiada
E sangue.
 
De pavor o tempo, o nosso,
A primavera assombrando.
Exílio de ventres a fecundar e tudo o mais
Que a faz.
 
De amor o tempo, o nosso,
Onde uma voz espalhando
A boa nova do pântano fétido da noite
Imposta?
De nojo, de raiva, de pavor,
O tempo transido
Do nosso viver dia-a-dia!
Mas não de amor...
 
Tomaz Kim nasceu a 2 de fevereiro de 1915, em Lobito, Angola. Passou parte de sua vida em Londres e depois Lisboa, onde cursou Filologia Germânica na Faculdade de Letras. Viveu nesta cidade até sua morte em 24 de janeiro de 1967. Em terras portuguesas foi fundador dos Cadernos de poesia e colaborou em diversas publicações literárias como Presença e Sol Nascente. O primeiro livro que publicou foi Em cada dia se morre em 1939. A este seguiram-se vários outros títulos, tais como Para nossa iniciação (1940), Dia de promissão (1945) e Exercícios temporais (1966).
 
 

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