terça-feira, 21 de julho de 2020

Três poemas de José Paulo Moreira da Fonseca


PAISAGEM NOTURNA
 
Era uma hora isenta de toda a melancolia,
uma certeza ainda mais densa
contra a qual nada havia a fazer.
Já o ouro se fôra,
restava aquele azul de vidro que acende as constelações
e o céu pareceu-me a pupila de um rei
morrendo, e a sombra iluminava as coisas
de um lívido rigor.
Senti-me aflito
como o homem a quem revelassem um segredo extremo
que a própria memória temeria não esquecer.
 
 
INDAGAÇAO EXTREMA

em que noite
em que pálido tempo
                   se perde a luz da juventude?
procura a esfinge
                   sem disfarces
sem temor algum     como se fosses
                                      tão incólume
                            quanto os mortos
                   talvez...
 
 
ELEGIA
 
Agora que a impaciência do desejo
é lâmpada acesa sobre o teu corpo,
agora que sei decifrar o enigma dos ombros,
os seios de lentas curvas,
agora que és toda flor e vertigem,
não lamento a carência de minhas palavras.
tu me bastas, esquecida sobre a alvura dos lençóis:
um poema sem os enganos, sem o vazio,
um espelho do Mundo
                            que minhas mãos tocam
hesitantes quase
no receio de perder com a saciedade
tão extrema confidência murmurando-me a cifra da noite.
 
José Paulo Moreira da Fonseca nasceu a 13 de junho de 1922, no Rio de Janeiro. Formado em Direito e em Filosofia, teve uma vida inteira dedicada à literatura, sobretudo à poesia, gênero do qual publicou, dentro outros, Elegia Diurna (1947), Concerto (in Poemata) (1950), Raízes (1957). Morreu a 4 de dezembro de 2004.  

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