CANTO DOS SINAIS
Esta noite um pássaro gritou
amargura
como se viessem arrebatar-lhe a
alma.
Voou da tua mão esta noite o
espelho,
teu vestido esta noite rasgou-se
em luto
e contrariada te sentaste para
cerzir o rasgão,
e eis que o sangue manchou tua
agulha.
Não abras teu coração aos sinais.
Que o medo não arda em teus olhos.
Pois os sinais anunciarão o bem,
pois é a alegria que bate às
portas
pois eles não são para ti mas para
teus carrascos.
Minha filha, se os cães uivam na
cidade
não é sinal de que um anjo passa
pela cidade.
Minha filha, se um anjo passa pela
cidade
não é sinal de que haverá luto na
cidade.
Pois olhos se acenderão, filha,
e céus cintilarão, filha,
e anos passarão, filha.
E os grandes sinais se
manifestarão,
e não terão mentido os sinais,
humildes e pobres se alegrarão,
pois é a alegria que bate às
portas.
Eu sofro, sofro por teu coração
amargo,
como se voltassem a arrebatar-me a
alma.
Eu, que não tenho sonho, que não
tenho luz,
sonhei-te pesadelo no fim da
caverna;
ao despertar, teu sorriso
despedaçado brilhava,
e em tua mão o sangue tinha
manchado a agulha.
Pois a linguagem dos sinais é
clara,
e ei-la diante dos meus olhos e
dos teus.
Não é o bem que os sinais
anunciarão,
não é a alegria que bate às
portas,
pois ela não é para ti mas para
teus carrascos.
Minha filha, se uivam cães na
cidade,
não é sinal que um anjo passa pela
cidade.
Minha filha, se um anjo passa pela
cidade,
não é sinal de que se morrerá como
tu na cidade.
Que os teus ombros se preparem,
filha,
pois ainda não acabou, filha,
e até o fim não terá piedade,
filha,
e virá um sinal, o último, filha.
Bebe nosso cálice até as fezes.
Essa é a nossa sorte – suportar os
sinais.
Tu, minha única! Sê forte e
corajosa!
Não é a alegria que bate às
portas.
LUA
Mesmo as imagens familiares têm um instante de nascimento.
Céus sem pássaros
são estranhos e fechados.
A noite fica à janela, ao luar,
e a cidade está mergulhada nas lágrimas dos grilos.
E ao ver que um caminho espera ainda um passante
e a lua
em cima da baioneta do cipreste,
dizes: meu Deus, tudo isso ainda existe?
Pode-se ainda, em voz baixa, perguntar como estão passando?
A água das poças olha-nos e reflete-nos.
A árvore descansa
com seus brincos vermelhos.
Nunca, meu Deus, arrancarão de mim
o sofrimento dos teus grandes brinquedos.
Mesmo as imagens familiares têm um instante de nascimento.
Céus sem pássaros
são estranhos e fechados.
A noite fica à janela, ao luar,
e a cidade está mergulhada nas lágrimas dos grilos.
E ao ver que um caminho espera ainda um passante
e a lua
em cima da baioneta do cipreste,
dizes: meu Deus, tudo isso ainda existe?
Pode-se ainda, em voz baixa, perguntar como estão passando?
A água das poças olha-nos e reflete-nos.
A árvore descansa
com seus brincos vermelhos.
Nunca, meu Deus, arrancarão de mim
o sofrimento dos teus grandes brinquedos.
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Nathan Alterman nasceu em Varsóvia,
Polônia, a 14 de agosto de 1910. Imigrou para Tel Aviv em 1925, onde se tornou
um dos mais importantes poetas de seu tempo. Foi tradutor o que deu a conhecer
em árabe vários nomes da literatura russa, o inglês William Shakespeare e o
francês Molière, entre outros. Dos vários prêmios que recebeu pela sua obra se
destacam o Prêmio Israel e o Prêmio Bialik. Morreu no dia 28 de março de 1970,
em Tel Aviv, Israel.
* Traduções de Cecília Meireles.
A poesia de Nathan Alterman é intensa e profundamente lírica. Gosto muito de um poema, de autoria dele, "Primeiro Sorriso".
ResponderExcluirEsse poema foi lido por um personagem da minissérie Shtisel. Fiquei curiosa, mas não o encontrei na pesquisa que fiz no google.
ExcluirBom dia!
ExcluirConsegue mostrar-me esse poema? Li-o apenas uma vez e perdi-lhe o rasto. Obrigado
Vi o poema Primeiro Sorriso num seriado mas não estou achando no google
ExcluirMuito bom!
Acabei de ver na série Shtisel, estou procurando e também não acho. Achei tão lindo e emocionante.
ExcluirUma tradução para o inglês:
ResponderExcluirFIRST SMILE
Do not call me with many words. Do not call me with desperate vow. I am gathered to you again.
From all my weary paths I climb to your threshold now.
Do not call me with many words.
Everything shrivels and rots. But you and the night still live.
So many things wait their turn at the threshold of the heart, stand with fist extended, in an unruly queue— and the night, the night still lives.
Its darkness smokes from chimneys, its forests rage.
And it uncages tumult like a zoo.
If yet your eyes remain, mourning in their sleepless rings, or your name that made a music with its triple strings, now covered with dust, and shut, no longer a source of song— tell that old sorrow of yours, tell the silences that murder tears: one always returns to them,
returns with an empty heart
from blazing brand and torch, from smoking towns of war, to embrace—if only once—to embrace them once more.
Momentous the moments of the end!
Snuff the candles out. The fight cries out for rest.
Enfold me in your silence. Distances are adrift.
Obrigado! Esta é a versão completa do poema, certo?
ExcluirA tradução em português, baseada no fragmento lido na série referida aqui.
ResponderExcluirPrimeiro Sorriso
Nathan Alterman
Não me chames com palavras excessivas. Não me chames com um voto desesperado.
A ti, sou novamente invocado
Desde meu caminho estafado à tua porta, agora, bato.
Não me chames com palavras excessivas
Pois tudo resseca e morre. Exceto tu e a infinita noite.
Decisivos são os momentos finitos
Sopres a vela
A luz implora por repouso
E me envolvas em teu silêncio
Distâncias vivem à deriva
O ar que me sustenta
Vem de extrema altitude
Em ti! Jamais vivi em ti!
Tu que és meu mar
O sal que tempera minha terra
Por vezes, tua lembrança
Me tomará subitamente
Me atacará como um tigre faminto
Com ventos lançando portas aos ares
Com tempestivo deleite
Com felicidade cujas asas foram partidas