terça-feira, 27 de outubro de 2020

Três poemas de Louise Glück





VIOLETAS

Porque em nosso mundo
alguma coisa está sempre escondida,
pequena e branca,
pequena e o que chamas
pura, não lamentamos
como lamentas, caro
mestre sofredor; tu
não estás mais perdido
do que nós, sob 
o pilriteiro, o pilriteiro que sustenta
harmônicas bandejas de pérolas: o que
te trouxe entre nós
que te ensinaríamos, embora
ajoelhes e chores,
juntando tuas grandes mãos,
em toda a tua grandeza da alma,
que nunca há de morrer: pobre deus triste,
ou nunca tiveste uma
ou nunca perdeste uma.


FLORES SILVESTRES

O que estão dizendo? Que querem
vida eterna? Seus pensamentos são mesmo
tão arrebatadores assim? Com certeza
não olham para nós, não nos ouvem,
em sua pele
mancha de sol, pó
de botões-de-ouro: estou falando
como vocês, vocês que olham fixamente por entre
os talos de grama alta agitando
o pequeno guizo - Ó
alma! alma! Basta
olhar para dentro? Desdém
pela humanidade é uma coisa, mas por que
desprezar o vasto
campo, seu olhar elevando-se acima das nítidas cabeças
dos botões-de-ouro silvestres em direção a quê? Sua pobre
idéia de céu: ausência
de mudança. Melhor que a terra? Como
saberiam, se não estão nem
aqui nem lá, eretas entre nós?


A  PAPOULA VERMELHA

A grande façanha
é não ter
cabeça. Sentimentos:
ah, eu tenho; eles
me governam. Tenho
um senhor no céu
chamado sol, e me abro
para ele, mostrando
o fogo do meu coração, fogo
como sua presença.
O que poderia ser tal glória
senão um coração? Ah, irmãos e irmãs
alguma vez foram como eu, há muito tempo,
antes de serem humanos?
Permitiram-se
abrir alguma vez, vocês que jamais
voltariam a se abrir? Porque na verdade
falo agora
à maneira de vocês. Falo
porque estou aos pedaços.

Louise Glück nasceu a 22 de abril de 1943, em Nova York. Sua obra se dedica a iluminar aspectos do trauma, desejo e natureza. Frequentemente descrita como uma poeta autobiográfica; seu trabalho é conhecido por sua intensidade emocional e por frequentemente se ancorar no mito, na história ou natureza para pensar sobre experiências pessoais e a vida moderna. A autora acumula os mais importantes prêmios literários nos Estados Unidos, incluindo Prêmio Pulitzer e National Book Critics Circle Award. Em 2020 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

* Traduções de Maria Lúcia Milléo Martins.



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