terça-feira, 2 de março de 2021

Cinco poemas de Daniel Maia-Pinto Rodrigues

 


 
ACONTECE NOS QUINTAIS
 
Se eu a essa hora
não estiver
podes ir entrando
pelo jardim.
 
Pergunta o que te aprouver
aos grandes fetos.
 
Repousa depois
meia hora
no banco de madeira.
 
Ao cair da tarde
escolhe bem as framboesas.
E pelo estender largo das buganvílias
irás surgir, magnífica quietude,
ante a pousada do anjo da guarda.
 
Evita a noite
os agapantos endoidecem-se
com a lua.
 
 
*
 
Pertencera a um grupo de malta rebelde.
Desenvolveu alguns programas de rádio
e também, parece, algumas encenações teatrais.
Todavia o seu projecto principal era o de mudar o mundo.
Ao que eu lhe disse que o meu grande projecto
foi sempre o de que o mundo não me mudasse a mim.
 
 
*
 
Como te hei-de fazer ver
as meias distâncias
que nos separam das coisas?
 
É o nosso conforto num outro sítio
que nos proporciona
o arrepio de estarmos aqui.
 
 
A AMADA DO POETA
(OS CÁLCULOS SÃO FALÍVEIS)

 
Depois já será tarde
para te alcançar no caminho por onde avanças.
Aguardo aqui sentado o afastamento,
procuro calcular bem os tempos e as distâncias,
as capacidades locomotoras dos meus passos
ou até da minha corrida lesta
ao longo desta paisagem ocelada e formosa.
Mas no fundo o que me interessa
é o cálculo e não a prática,
ou quem sabe depois exercite a prática, em
elegante figura cénica,
após o cálculo de
já não te encontrar no caminho.
 
 
DISTÂNCIA
 
Hoje sinto-me bem-disposto
vou aguardar que o sol
ressurja por detrás das nuvens.
 
Cães ruivos de pelo longo
correm
e a cada passada
aproximam-se do voo.
 
Plátanos esperam
e os pardais preparam bem
a luz.
 
Talvez sejam horas de regressar
talvez sejam horas de ficar aqui.
 
Daniel Maia-Pinto Rodrigues nasceu no Porto em julho de 1960. Autor de vasta obra entre a prosa (conto, novela e romance) e a poesia. Estreia com a publicação em 1983 de Vento; em 1993, com A próxima cor recebe o Prêmio Nacional Foz-Côa-Cultural.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário