terça-feira, 9 de março de 2021

Cinco poemas de Miguel Hernández




SOBRA-ME O CORAÇÃO
 
Hoje estou sem saber eu não sei como
hoje estou só para penas
hoje não tenho amigos,
hoje só tenho ânsias
de arrancar-me inteiro o coração
e pô-lo debaixo de um sapato.
 
Hoje reverdece aquele espinho seco,
hoje é dia de prantos em meu reino,
hoje descarrega em meu peito o desalento
chumbo desalentado.
 
Não aguento minha estrela.
E procuro a morte pelas mãos
Olhando com carinho as navalhas,
e lembro-me daquele punham companheiro,
e penso nos mais altos campanários
para um sereno salto mortal.
 
Se não fosse por quê?... não sei por que
meu coração escreveria uma última carta,
uma carta que trago aqui guardada,
faria um tinteiro do meu coração,
uma fonte de sílabas, de adeuses e legados,
e um até breve diria ao mundo.
 
Eu nasci em má lua.
Tenho a dor de uma só dor
que vale mais que toda a alegria.
 
Um amor me deixou abatido
e não posso mais reagir.
Não vês como minha boca está desprezível,
como estão disformes meus olhos?
 
Quanto mais me contemplo mais me aflijo:
cortar esta dor com que tesoura?
 
Ontem, amanhã, hoje
padecendo por tudo
meu coração, aquário melancólico,
prisão de rouxinóis enfermos.
 
Sobra-me o coração.
Hoje me acovardo,
eu entre os homens o mais corajoso,
e por ser o mais, também o mais amargo.
 
Não sei por que, não sei por que nem como
me perdoo cada dia a vida.
 
 
*
 
Tristes guerras
se não é amor o fim.
Tristes, tristes.
 
Tristes armas
se não são as palavras.
Tristes, tristes.
 
Tristes homens
se não morrem de amores.
Tristes, tristes.
 
 
*
 
Chegou com três feridas:
a do amor,
a da morte,
a da vida.
 
Com três feridas vem:
a da vida,
a do amor,
a da morte.
 
Com três feridas eu:
a da morte,
a da vida,
a do amor.
 
 
*
 
A dor faz gritar, tenho comprovado,
quando o que pena, pena malferido,
pena de desamparo desabrido,
pena de solidão de apaixonado.
 
Que rouxinol amante não há lançado
com palidez, fervor e aflição
do seu ninho da imensa solidão
este amoroso grito, melindrado?
 
Que delicado pássaro resiste
ao silêncio cruel e favorável
a expressar seu pranto de viuvez?
 
Grito na solidão, pássaro triste,
com uma devoção inesgotável
e me ouve a montanha em sua mudez.
 
 
*
 
Ser onda é ofício, menina de teu cabelo,
já tão bem nascida para o marinho ofício;
ser graciosa e morena é teu exercício
e tua virtude mais exemplar o desvelo.
 
Menina, quando voar teus cabelos vejo
dando do vento forte e claro um negro indício,
mudar o rumo de marfim e de artifício
de tua capilar borrasca é meu desejo.
 
Não tens que fazer senão seres desejada,
nem tenho outro prazer que não seja mirar-te,
ao redor girando de tua esfera de amor.
 
Satélite teu, não consigo fazer nada
Que não tenha por finalidade lembrar-te
— Dá-te, minha carcereira, presa de amor.
 
Miguel Hernández nasceu a 30 de outubro de 1910 em Alicante, Espanha. Largou os estudos logo cedo para cuidar das atividades rurais com o pai. Em 1937, depois de participar do Congresso de Escritores Antifascistas, visita a Rússia. Sua ligação política com a militância o leva à prisão dois anos mais tarde, quando tentava fugir de seu país para Portugal. Passa por Sevilha, Madri e retorna a Alicante onde morre a 28 de março de 1942 no Reformatório de Adultos desta província. Entre os livros que escreveu estão Perito en lunas (1933), El rayo que no cesa (1936) e Viento del Pueblo (1937).
 

* Traduções de José Cláudio de Almeida Abreu, publicadas inicialmente na revista Caligrama, edição n.1, de 1981. 

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