terça-feira, 29 de junho de 2021

Quatro poemas de Rodolfo de Melo Machado


 

OUTONO
 
O Outono é um hospital. De cada canto, em cada
ser, observo um sintoma apático, doentio,
A Natureza sofre e varia, enfermada,
pelas febres de luz apanhadas no Estio.
 
Na alma das coisas passa a outra visão do Nada;
amputa-se o Desejo a segure do Frio...
No enlevo da esperança extrema, ajoelhada,
a vida orando aos céus evoca o sol sadio.
 
Numa tuberculose, as árvores, chorando,
cospem na terra escura as amarelas folhas
e, no silêncio vão gemendo e cochilando...
 
E, como alívio ao mal que em seus pulmões atua,
aquietam-se, a dormir, em mórbidas encolhas
ao clorofórmio etéreo e gélido da Lua.


SERENATA

O éter do luar a terra adormeceu... A esta hora
o silêncio suplica as vozes de quem ama...
Vem a mim, meu Amor! Cada estrela te chama
e aguardam tua sombra as sombras, cá por fora.

A insônia da paixão me alucina e devora,
arde-me todo o sangue... o peito se me inflama,
o calor do teu corpo o meu corpo reclama,
como reclama a Noite o almo fulgor da Aurora!

Oh! vem, não tardes mais! Quero sentir-te nua
conforme no ar, soltando as tranças luminosas,
assoma o corpo branco e histérico da Lua!

Dá-me o sensual prazer dos teus virgens desejos,
e terás, ao perfume embriagador das rosas,
o inédito sabor da febre dos meus beijos!
 
 
DE 1908 PARA 1909
 
Qual um tísico, assim, que as ilusões primeiras,
fanadas ilusões, num sonho, as tem fugindo,
à meia-noite ouvi, desse ano velho e findo,
soluçar meu relógio as horas derradeiras.
 
E eu sempre o escutei, manhãs, tardes inteiras,
calmo, no seu tic-tac, o tempo dividindo,
por ouvi-lo em tal noite, estremeci, sentindo,
como que um choro atroz de doze carpideiras...
 
Então, saudoso e absorto, entre sombras e fraguas,
a rede da Lembrança abri sobre o Passado
e colhi pelo escuro as falecidas mágoas.
 
Ah! e o relógio embora ouvisse tantas vezes,
jamais tão triste o ouvi bater, lento e magoado,
no extremo funeral dos Dias e dos Meses.


*

Num estreito caixão feito de pinho
a Morte encerrará meu grande  ideal;
na curva extrema do fatal caminho
descansarei a velha cruz do Mal.

A Morte encerrará meu grande ideal
da terra escura na sombria furna;
descansarei a velha cruz do Mal
na pausa eterna da solidão noturna.

Da terra escura na sombria furna
os Sete-Palmos deverei descer...
na pausa eterna da solidão noturna
não mais teus olhos poderão me ver.

Os Sete-Palmos deverei descer
da terra escada, tenebrosa e fria;
não mais teus olhos poderão me ver
na paz da Morte, intérmina e sombria.

Da terra escada, tenebrosa e fria,
rolarão os degraus meus lentos ais...
na paz da Morte, intérmina e sombria,
serei feliz porque não sofro mais.
 
Rodolfo de Melo Machado nasceu a 28 de fevereiro de 1884, no Rio de Janeiro, cidade onde viveu até 14 de dezembro de 1923. Foi jornalista, contista, crítico e poeta. Sua poesia se situa na segunda geração simbolista.

Um comentário:

  1. Rodolfo foi o esposo da maravilhosa poetisa Gilca Machado. Foi lindo conhecer as poesias dele. Adorei Serenata. Tal como as da esposa,sua poesia tem aquele erotismo que não morre no ser humano. Valeu Rodolfo! Onde quer que esteja, Obrigada por sua poesia.

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