terça-feira, 20 de julho de 2021

Três poemas de Fontoura Xavier


 


ESTUDO ANATÔMICO
 
Entrei no anfiteatro da ciência,
Atraído por mera fantasia,
E aprouve-me estudar anatomia,
Por dar um novo pasto à inteligência.
 
Discorria com toda a sapiência
O lente numa mesa onde jazia
Uma imóvel matéria, úmida e fria,
A que outrora animara humana essência.
 
Fora uma meretriz: o rosto belo
Pude tímido olhá-lo com respeito
Por entre as negras ondas do cabelo.
 
A convite do lente, contrafeito,
Rasguei-a com a ponta do escalpelo
E não vi coração dentro do peito!
 
 
ROAST-BEEF
 
A Artur Azevedo

Ela tem a beleza, a flácida estrutura,
Os contornos viris, geométricos, altivos,
A branca carnação dos bons modelos vivos
Do mágico buril dos Fídias da escultura.

Ressumbra-lhe a epiderme — alvíssima textura —
Os filtros sensuais, os tóxicos lascivos,
Que aos mártires da Fé, aos crentes primitivos,
Serviram de adoçar o cálix da amargura.

Ao vê-la, não cobiço os ócios dum nababo,
Nem penso num cavalo elástico do Cabo
Para furtá-la às mãos de um Jônatas patife.

Ouço um coro ideal e harmônico de beijos!
E sinto fervilhar-me o pego dos desejos
De um Tântalo faminto em face de um roast-beef!


À LIÇA
 
Bardo! O cantar somente o colo nu da amante
Não diz co’a evolução do século gigante!
 
Enquanto tu sorris
De uns olhos sensuais,
Nos lôbregos covis,
Nas furnas imperiais,
 
Acende a realeza a cólera grina
E sedente e feroz! Na luta que a domina
Arroja-se de encontro à nossa irmã Jusça
Tentando-a sepultar no chão da enorme liça!
 
E, sabes, a Jusça é o sol da Nova-Ideia,
A Musa varonil da homérica epopeia!…
 
Antônio Vicente de Fontoura Xavier nasceu a 7 de julho de 1956 em Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul. Cedo mudou-se para o Rio de Janeiro para continuar seus estudos; depois para São Paulo, onde inicia o curso de Direito. Data deste último período o início de sua atividade literária como colaborador em vários periódicos do seu tempo; chegou a, com Arthur Azevedo e Anibal Falcão, fundar o jornal Gazetinha. Traduziu ao português Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, William Shakespeare. Na carreira de diplomata serviu nos Estados Unidos, Cuba, México, Suíça, Argentina, Guatemala, Inglaterra, Espanha e Portugal, país onde viveu até sua morte em 1922. Seu principal livro de poesia, no âmbito do movimento parnasiano é Opalas.  
 
 

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