terça-feira, 26 de outubro de 2021

Dois poemas de J. J. Slauerhoff

 


ANGÚSTIA
 
O mar avança pela noite dentro
Rumo a tantas praias sós, distantes;
De vento e espuma é seu lamento
E de sal, como lágrimas flamantes.
 
Assim eu sinto o mar
Quando ele se quebra a soluçar
Contra as escarpas da terra,
E com as ondas minha dor suplica
 
A graça perdida de
Outra vez perto de ti me encontrar.
Quero largar meu navio, caminhar
P’las águas rumo a todo o horizonte
 
Pois esteja onde estiver, eu cismo:
Tal como o luar das nuvens aparece
Minha dor p’lo mundo vagueia e entontece
E seu desejo é afogar-se no abismo
 
Porém, de noite eu sei que
O mar e eu sofremos a mesma mágoa
E que no leito sem margem, feito d’água
Um único soluço nos revolve.
 
Assim fui buscando p’ra esquecer
Que tudo perdi por uma mulher;
Mas quando o mar reluz, preso do encanto
De novo me afundo, lavado em pranto.
 
 
ASPIRAÇÃO
 
Amanhã há-de raiar a liberdade,
Esperamos nós cada dia que passa,
Pra não volveremos a cair na obscuridade,
Volta — luz nossa, para sempre.
 
Jamais virá esse momento
Tal como nenhum anjo desce à terra,
Nem a lugares onde o sofrimento
Despe o azedume e enverge o desespero.
 
Não face à ordem que nos guia:
A felicidade espera a vez que lhe cabe
E só vem à luz um dia
No quadro da realidade.
 
Mas eis que na estreiteza da vida,
Seu reino se abre, em imenso lugar...
Por ela nos deixámos iluminar:
E agora sabemos, quando anuncia:
“A tempo me faço chegar”.
 
Jan Jacob Slauerhoff nasceu a 15 de setembro de 1898 em Leeuwarden. Estudou Medicina em Amsterdã, quando escreveu seus primeiros poemas, alguns dos quais publicados em pequenos jornais de estudantes; a tarefa se tornaria recorrente nos trabalhos seguintes, que aparecem em revistas com Het Getij e depois no seu primeiro livro de poemas, Arquipélago, de 1923. Inicia sua prática médica a bordo, o que lhe permite viajar o Oriente e o Ocidente, incluindo passagens pela América Latina. Além de poesia, escreveu romances, ensaios e teatro; interessado em literatura portuguesa e latino-americana, traduz ao holandês autores como Eça de Queirós, Ricardo Güiraldes e Ramón Luis Guzmán. Morreu a 5 de outubro de 1936.
  
*Traduções de Mila Vidal Paletti

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