DIZENDO ADEUS
Estou sempre dando adeus:
também ao desencontro e ao
desencanto.
Estou sempre me despedindo
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.
Estou sempre dizendo adeus:
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.
Estarei sempre de partida,
até o momento de sermos deuses:
quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.
PERDER, GANHAR
Com as perdas, só há um jeito:
perdê-las.
Com os ganhos,
o proveito é saborear cada um
como uma fruta boa da estação.
A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
e me oferece um papel:
abrir o coração como uma vela
ao vento, ou pagar sempre a conta
já vencida.
TEMPORAL
O tempo rasteja no telhado
depois de se fazerem filhos e dívidas,
e as dúvidas brotarem nas frestas
da porta.
O tempo trança bordados no rosto
e manchas na mão,
mas a gente não muda: ainda chove
no escuro e um pássaro começa a cantar,
um amigo morre antes dos quarenta anos,
e nossa mãe, com quase cem, nem está
nem se ausenta.
Como tudo o mais,
o tempo não tem explicação:
corrói e transfigura, expande
ou empobrece, conforme a escolha
de cada um.
(Eu, com medo e susto,
escolho a multiplicação.)
TODAS AS ÁGUAS
Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.
Quando calculei que tudo estava
pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.
Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto
em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.
QUANDO FECHO A PORTA
Na parede atrás de minha mesa,
ombro a ombro,
a menina e seu pai, em dois retratos,
conversam sobre o que há no escuro
da noite, como entender o mundo,
e por que as montanhas eram tão azuis.
Quando apago a luz e fecho a porta,
eles riem baixinho desta que hoje sou:
ainda tão distraída e desassossegada,
cheia de encantamento, susto e assombro.
(E devem dizer, meneando as cabeças:
Parece que ela nunca vai mudar.)
O RIO DO TEMPO
O tempo não existe,
nem dentro nem fora.
Esses peixes de opala
são nomes que nadam na memória:
são rostos, são risos, são prantos,
são as horas felizes.
O tempo não existe,
pois tudo continua aqui, e cresce
como se arredonda uma árvore
pesada de frutos que são peixes,
que são nomes de nomes, são rostos
com máscaras.
O tempo não existe. Sou apenas
o aqui e o presente, e o atrás disso,
como um rio que corre mas não passa
— pois ele é sempre, em mim, agora.
também ao desencontro e ao
desencanto.
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.
até o momento de sermos deuses:
quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.
perdê-las.
Com os ganhos,
o proveito é saborear cada um
como uma fruta boa da estação.
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
e me oferece um papel:
abrir o coração como uma vela
ao vento, ou pagar sempre a conta
já vencida.
depois de se fazerem filhos e dívidas,
e as dúvidas brotarem nas frestas
da porta.
e manchas na mão,
mas a gente não muda: ainda chove
no escuro e um pássaro começa a cantar,
um amigo morre antes dos quarenta anos,
e nossa mãe, com quase cem, nem está
nem se ausenta.
Como tudo o mais,
o tempo não tem explicação:
corrói e transfigura, expande
ou empobrece, conforme a escolha
de cada um.
escolho a multiplicação.)
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.
ombro a ombro,
a menina e seu pai, em dois retratos,
conversam sobre o que há no escuro
da noite, como entender o mundo,
e por que as montanhas eram tão azuis.
Quando apago a luz e fecho a porta,
eles riem baixinho desta que hoje sou:
ainda tão distraída e desassossegada,
cheia de encantamento, susto e assombro.
Parece que ela nunca vai mudar.)
nem dentro nem fora.
Esses peixes de opala
são nomes que nadam na memória:
são rostos, são risos, são prantos,
são as horas felizes.
pois tudo continua aqui, e cresce
como se arredonda uma árvore
pesada de frutos que são peixes,
que são nomes de nomes, são rostos
com máscaras.
o aqui e o presente, e o atrás disso,
como um rio que corre mas não passa
— pois ele é sempre, em mim, agora.
•
Lya Luft nasceu em Santa Cruz do
Sul a 15 de setembro de 1938. Escreveu romance, conto, crônica e poesia. Sua estreia
na literatura começa por este último gênero:
publica em 1964 o livro Canções de ninar e depois Flauta doce, em
1972. Escreveu ainda Mulher no palco (1984), O lado fatal (1988)
e Secreta mirada (1997, um livro que também reúne textos em prosa). Seu último
trabalho como poeta foi com Pra não dizer adeus (2005). Durante sua
carreira literária recebeu vários prêmios, entre eles, o da Associação Paulista
de Críticos de Arte e o da Academia Brasileira de Letras. Lya Luft morreu no
dia 30 de dezembro de 2021 em Porto Alegre.
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