terça-feira, 5 de outubro de 2021

Três poemas de Heiner Müller

 


O PAI

1
Um pai morto talvez tivesse
Sido um pai melhor. Melhor ainda
É um pai nado-morto.
Volta sempre a crescer erva sobre a fronteira.
Tem de ser arrancada a erva
Sempre sempre a erva que cresce sobre a fronteira.

2
Gostava que o meu pai tivesse sido um tubarão
E despedaçado quarenta pescadores de baleias
(E eu aprendido a nadar no seu sangue)
A minha mãe uma baleia azul o meu nome Lautréamont
Falecido em Paris
 
 
AS IMAGENS

As imagens significam tudo a princípio. São sólidas. Espaçosas.
Mas os sonhos coagulam, fazem-se forma e desencanto.
Já o céu não há imagem que o fixe. A nuvem vista do
Avião: um vapor que nos tira a vista, o grou, um pássaro, mais
nada
Até o comunismo, a imagem final, sempre refrescada
Porque lavada com sangue tantas vezes, o dia-a-dia
Paga-lhe um salário modesto, sem brilho, cego de suor,
Escombros os grandes poemas, como corpos muito tempo
amados e
Postos de lado agora, no caminho da espécie exigente e finita
Nas entrelinhas lamentos

sobre ossos feliz o carregador de pedra

Porque o belo significa o fim provável dos terrores.
 
 
POEMA ANTIGO
 
De noite atravessando o lago a nado o momento
Que te põe em causa Já não há outro
Finalmente a verdade Que tu mais não és que uma citação
De um livro que não escreveste
Podes escrever uma vida para negar isto na tua
Fita de máquina descorada O texto lê-se à transparência

 
Heiner Müller nasceu em Eppendorf a 9 de janeiro de 1929. Foi um dos dramaturgos mais importantes da Alemanha. Além do teatro, escreveu poemas e em todo seu trabalho com a literatura aproxima-se das estratégias criativas das vanguardas, com o Grupo de Viena ou nomes como o do suíço Eugen Gomringer e Helmut Heissenbüttel. Morreu em Berlim a 30 de dezembro de 1995.
 
* Traduções de João Barrento.
 

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