terça-feira, 23 de novembro de 2021

Dois poemas de Boris Pasternak




DEFINIÇÃO DE POESIA

Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto-desafio.

Um doce ervilhal abandonado.
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas - 
Geada no canteiro, tomado.

Tudo o que para a noite releva
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.

Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. Céu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.

1917.


POESIA

Poesia, minha voz enrouquece
De juras sobre ti: estertor,
Não pose melíflua de cantor.
Vagão de terceira no verão,
Pareces. Subúrbio e não refrão.

Abafas como Iamskaia: és maio,
Chevardin, o reduto noturno,
Onde nuvens exalam seus guais
e se vão, cada qual por seu turno.

E em dobro, pela trama dos trilhos - ,
Arrabaldes não são estribilhos -,
Se rojam das estações à casa,
Não cantando, formas hebetadas.

Renovos que a chuva põe nos cachos
Até de manhã, num fio contínuo,
Pingam seus acrósticos do alto
Enquanto lançam bolhas de rimas.

Poesia, quando sob a torneira
Um truísmo é um balde de folha
Vazio, mais o jato se despeja.
Eis o branco da página: jorra!

1922

Boris Pasternak nasceu no dia 10 de fevereiro de 1890, em Moscou. Estudou filosofia na Alemanha e no retorno à cidade natal publicou seu primeiro livro, uma coletânea de poemas intitulada Gêmeo nas nuvens; a este gênero dedicaria sua vida e no qual situou grande parte de sua obra. Na prosa, ficou conhecido como o autor de Douto Jivago, romance publicado um ano antes do Prêmio Nobel de Literatura, recebido em 1958. Morreu a 30 de maio de 1960 em Peredelkino.

* Traduções de Haroldo de Campos.

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