AMOR
Tu, carne da minha carne, manhã, meio-dia,
noite, todas minhas
horas e minhas estações reunidas,
Tu, sangue do meu sangue, todas
minhas fontes, o mar e minhas
lágrimas vertidas,
Tu, pilares da minha casa, meus
ossos, árvore da minha vida,
mastros das minhas velas e toda a viagem ao mais profundo de mim,
Tu, nervo dos meus nervos, meus
mais belos buquês de alegria,
todas as cores luzidias,
Tu, sopro do meu sopro, ventos e procelas,
o ar livre
deste mundo me eleva como uma cidade de tela,
Tu, coração dos meus olhos, o mais
amplo olhar, a colheita mais rica de
cidades e espaços, do fundo do horizonte renascidos.
Tu, gosto do mundo, tu, aroma dos
caminhos molhados,
céus e marés na areia enleados,
Tu, corpo do meu corpo, minha
terra, todas minhas florestas, universo
entornado entre meus braços,
Tu, a vinha e o fruto, tu, o vinho
e a água, o pão e a mesa,
comunhão e conhecimento às portas da morte,
Tu, a minha vida, minha vida que
se descerra, foge num passo lépido
em direção à aurora, tu, o instante e meus braços libertos,
Tu, o mistério retomado, tu, meu
doce resto estranho,
e o coração que se lamenta em minhas veias como uma dor.
* Tradução de Núbia Hanciau.
VIDA DE CASTELO
É um castelo antigo
Sem mesa nem fogo
Poeira nem tapetes.
O perverso encantamento desses
lugares
Está todo em seus espelhos polidos.
Aqui, o único ofício possível
Consiste em mirar-se dia e noite.
Lança tua imagem nas fontes
rígidas
Tua mais rija imagem sem sombra nem cor.
Vê, esses espelhos são profundos
Como guarda-roupas
Há sempre uma morte que ali habita, sob a viga
E logo logo cobre o teu reflexo
Gruda em ti como uma alga
A ti se ajusta, franzino e nu,
Simulando o amor num frenesi amargo e lento.
NOITE
Noite
O silêncio da noite
Me abarca
Com copiosas correntes submarinhas.
Repouso no fundo da água muda e
verde-mar.
Vislumbro o meu coração
Que fosforesce e se esvai
Como um farol.
Ritmo surdo
Código secreto
Não decifro um mistério sequer.
A cada lampejo
Fecho os olhos
Pela continuidade da noite
A perpetuidade do silêncio
Onde pereço.
* Traduções de Maria das Graças L.
M. do Amaral
horas e minhas estações reunidas,
lágrimas vertidas,
mastros das minhas velas e toda a viagem ao mais profundo de mim,
todas as cores luzidias,
deste mundo me eleva como uma cidade de tela,
cidades e espaços, do fundo do horizonte renascidos.
céus e marés na areia enleados,
entornado entre meus braços,
comunhão e conhecimento às portas da morte,
em direção à aurora, tu, o instante e meus braços libertos,
e o coração que se lamenta em minhas veias como uma dor.
Sem mesa nem fogo
Poeira nem tapetes.
Está todo em seus espelhos polidos.
Consiste em mirar-se dia e noite.
Tua mais rija imagem sem sombra nem cor.
Como guarda-roupas
Há sempre uma morte que ali habita, sob a viga
E logo logo cobre o teu reflexo
Gruda em ti como uma alga
Simulando o amor num frenesi amargo e lento.
O silêncio da noite
Me abarca
Com copiosas correntes submarinhas.
Vislumbro o meu coração
Que fosforesce e se esvai
Como um farol.
Código secreto
Não decifro um mistério sequer.
Fecho os olhos
Pela continuidade da noite
A perpetuidade do silêncio
Onde pereço.
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Anne Hébert nasceu no dia 1.º de
agosto de 1916 em St. Catherine de Fossambault, Canadá. Escreveu prosa (romance,
novela, conto), teatro e poesia. Neste último gênero destacam-se títulos como Les
songes en equilibre (1942) e Le jour n’a d’égal que la nuit (1992).
Morreu no dia 22 de janeiro de 2000 em Montreal.
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