ÁGAPE
nem nesta tarde ninguém me pediu nada.
em tão alegre procissão de luzes.
Perdoa-me Senhor: morri tão pouco!
sem nada me perguntar nem pedir nada.
em minhas mãos tão mal, qual coisa alheia.
tenho vontade de gritar a todos:
Se alguma coisa lhes falta, ela está aqui!
não sei que portas nos atiram na cara
e algo estranho se apodera da minha alma.
e que pouco hoje nesta tarde morri!
viaja saltando alegremente.
Medita depois num repouso ferrado,
cravado com dez horizontes.
mais adiante, sob túneis de dor,
sob vértebras que naturalmente fogem.
lentas ásias amarelas de viver,
movem-se como eclipse,
e catam em si pesadelos de insectos,
mortas já para o trovão, mensageiro dos génesis.
com a tua surdez que me ouve,
com a tua mudez que me ensurdece?
Esta noite desço do cavalo,
diante da porta da minha casa, onde
me despedi com o cantar do galo.
Está fechada, ninguém me responde.
meu irmão mais velho, para ele selar
cavalos que eu já montara em pelo,
menino rude, por ruas e valados.
O banco em que deixei murchar ao sol
minha angustiada infância… E o luto
que emoldura esta porta?
espirra, o bruto, como a chamar também;
fareja, batendo no empedrado. Depois, duvida, relincha
sacode a viva orelha.
talvez pense que se fez tarde para mim.
Minhas irmãs, cantarolando as ilusões
singelas, buliçosas,
a trabalhar para a festa que aí vem,
não falta quase nada.
Espero, espero, o coração
um ovo em seu momento, que se fecha.
há pouco, ninguém hoje em vigília, e nem uma vela
pôs no altar para que voltássemos.
Chamo de novo, e nada.
Calamo-nos, rompemos em soluços e o cavalo
relincha, relincha mais ainda.
e antes assim, que finalmente
meu cavalo põe-se a cabecear, cansado,
e, entre sonhos, a cada vénia, diz
que está bem, que está tudo muito bem.
•
César Vallejo nasceu em Santiago
de Chuco, a 16 de março de 1892. Integrado às vanguardas do século XX, é
considerado um dos mais importantes poetas hispano-americanos. O peruano começa
sua vida literária com Los heraldos negros (1918) e na poesia publica
ainda Trilce (1922) e Poemas humanos (1939). Também escreveu
romance, conto, crônica, ensaio e teatro. Morreu em Paris no dia 15 de abril de
1938.
* Traduções de José Bento
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