terça-feira, 26 de abril de 2022

Dois poemas de Margaret Atwood


 

Primavera outra vez, como irei suportar
as agulhas que ela lança contra
a terra, contra a minha cabeça,
habituadas que estamos ambas à escuridão
 
A neve no solo escuro e
a lagarta esmagada
a relva feita líquido colorido
 
O inverno desmorona-se
em pregas frouxas em torno
dos meus pés / folhas ainda ausentes / flácidas
 
Carnudos lilases em botão ameaçam
abrir mas eu
contenho-me
 
Não estou pronta / ajuda-me
o que quero de ti é
luar macio de
vento, longos cabelos de água
 
 
*
Porque tu não estás nunca aqui
mas sempre ali, esqueço-me
não de ti mas da tua aparência
 
Vagueias rua abaixo
à chuva, o teu rosto
dissolve-se, muda de forma, as suas cores
escorrem e misturam-se
 
As minhas paredes absorvem-
-te, respiram-te de
novo, tudo reiniciais-
-te, não te reconheço
 
Ficas deitado na cama
a olhar-me a olhar-
-te, nunca nos haveremos de conhecer
tão bem um ao outro
 
como agora
 
Margaret Atwood nasceu a 18 de novembro de 1939, em Ottawa, Canadá. Reconhecida com romances de natureza distópica, como O conto da aia, sua Magnum opus, é também autora de ensaios, contos e poemas. Deste gênero, publicou mais de uma dezena de livros, entre eles A porta, publicado no Brasil em 2013 com tradução de Adriana Lisboa. Os dois poemas apresentados aqui são de outro livro da autora traduzido em Portugal, Políticas de poder.
 
* Traduções de Ana Luísa Amaral.   
 

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