segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Três poemas de Hans Magnus Enzensberger




CONVIDADOS
 
Os que vêm sempre atrasados
Os que no último minuto dizem que não dá para vir
Os que passam só um instante a espreitar
Os que foram convidados em retribuição
Os que se arreliam por não terem sido convidados
Os que não foram convidados, mas lá estão à porta
Os que trazem a lista completa da dieta
Os que vêm com as plantas de sala, os bebés e
             o São Bernardo
Os vizinhos que não conseguem dormir com a música
Os que contam todo o tempo anedotas de judeus
Os que bebem só água mineral
Os que vêm já com os olhos a fechar-se
Os que não param de se fotografar uns aos outros
Os que fumam só na varanda
Os que sabem sempre tudo o que há e entre quem e quem
Os que dizem enfaticamente mas que isto fique entre nós
Os que beberam já whiskey a mais
Os que ainda têm de dar um pulinho a outra
Os que ficam até depois de já todos terem saído
Os que são bem-vindos mesmo sem antes terem telefonado
Os que é pena não estarem, porque estão debaixo da terra
 
 
PECADOS DE INCUMPRIMENTO
 
Sim é verdade, faltei sem motivo.
Na mais premente das aflições
não acorri logo.
Noites de amor extraviadas,
no jogo do entra e sai com a bola uma desgraça,
e nunca aprendi a nadar como deve ser.
 
Sim é verdade, esquivei-me sempre
a lutar até ao último cartucho.
Não dei um beijo
na mão fraterna do vagabundo,
e descurei a rega
das begónias dos vizinhos.
 
Caída no esquecimento a confissão,
intimidado à ideia
de melhorar o mundo,
nem uma vez subi e desci quando devia,
e não tomei as pastilhas
três vezes por dia.
 
Sim é verdade, abandonei
a ideia de matar gente. Sim,
não telefonei.
Para já, prescindi
até de morrer.
Se puderem, desculpem.
 
Ou deixem lá.
 
 
DESTINATÁRIO DESCONHECIDO —
RETOUR À L’EXPÉDITEUR
 
Muito obrigado pelas nuvens.
Muito obrigado pelo cravo bem temperado
e, por que não, pelas botas de Inferno forradas.
Muito obrigado pelo meu cérebro singular
e pelos outros órgãos todos que não estão à vista,
pelo ar, e naturalmente pelo vinho de Bordéus.
Muito agradecido por não se me acabar o isqueiro,
e os agudos anseios, e a piedade, a incessante piedade.
Muito obrigado pelas quatro estações,
pelo algarismo e e pela cafeína,
e claro pelos morangos no prato
pintado por Chardin, e também pelo sono,
pelo sono muito especialmente,
e, não vá eu esquecer-me,
igualmente pelo início e pelo fim
e pelos minutos de permeio,
um obrigado muito encarecido,
e por que não também pelas toupeiras lá fora no jardim.
 
Hans Magnus Enzensberger nasceu na Baviera a 11 de novembro de 1929. Estudou Literatura e Filosofia em várias universidades europeias, incluindo Hamburgo e Sorbonne. Entre 1965 e 1975 foi parte no Grupo 47, período quando criou e dirigiu a revista Kursbuch e a série literária Die andere Bibliothek. Autor de extensa obra, escreveu ensaio, romance, novela, crônica e poesia, gênero no qual estreou em 1957 com Defendendo os lobos. Em 2002 foi premiado com o Príncipe das Astúrias. Morreu no dia 24 de novembro de 2022 em Munique.


* Tradução de Alberto Pimenta

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