CONVIDADOS
Os que vêm sempre atrasados
Os que no último minuto dizem que não dá para vir
Os que passam só um instante a espreitar
Os que foram convidados em retribuição
Os que se arreliam por não terem sido convidados
Os que não foram convidados, mas lá estão à porta
Os que trazem a lista completa da dieta
Os que vêm com as plantas de sala, os bebés e
o São Bernardo
Os vizinhos que não conseguem dormir com a música
Os que contam todo o tempo anedotas de judeus
Os que bebem só água mineral
Os que vêm já com os olhos a fechar-se
Os que não param de se fotografar uns aos outros
Os que fumam só na varanda
Os que sabem sempre tudo o que há e entre quem e quem
Os que dizem enfaticamente mas que isto fique entre nós
Os que beberam já whiskey a mais
Os que ainda têm de dar um pulinho a outra
Os que ficam até depois de já todos terem saído
Os que são bem-vindos mesmo sem antes terem telefonado
Os que é pena não estarem, porque estão debaixo da terra
PECADOS DE INCUMPRIMENTO
Sim é verdade, faltei sem motivo.
Na mais premente das aflições
não acorri logo.
Noites de amor extraviadas,
no jogo do entra e sai com a bola uma desgraça,
e nunca aprendi a nadar como deve ser.
Sim é verdade, esquivei-me sempre
a lutar até ao último cartucho.
Não dei um beijo
na mão fraterna do vagabundo,
e descurei a rega
das begónias dos vizinhos.
Caída no esquecimento a confissão,
intimidado à ideia
de melhorar o mundo,
nem uma vez subi e desci quando devia,
e não tomei as pastilhas
três vezes por dia.
Sim é verdade, abandonei
a ideia de matar gente. Sim,
não telefonei.
Para já, prescindi
até de morrer.
Se puderem, desculpem.
Ou deixem lá.
DESTINATÁRIO DESCONHECIDO —
RETOUR À L’EXPÉDITEUR
Muito obrigado pelas nuvens.
Muito obrigado pelo cravo bem temperado
e, por que não, pelas botas de Inferno forradas.
Muito obrigado pelo meu cérebro singular
e pelos outros órgãos todos que não estão à vista,
pelo ar, e naturalmente pelo vinho de Bordéus.
Muito agradecido por não se me acabar o isqueiro,
e os agudos anseios, e a piedade, a incessante piedade.
Muito obrigado pelas quatro estações,
pelo algarismo e e pela cafeína,
e claro pelos morangos no prato
pintado por Chardin, e também pelo sono,
pelo sono muito especialmente,
e, não vá eu esquecer-me,
igualmente pelo início e pelo fim
e pelos minutos de permeio,
um obrigado muito encarecido,
e por que não também pelas toupeiras lá fora no jardim.
Os que no último minuto dizem que não dá para vir
Os que passam só um instante a espreitar
Os que foram convidados em retribuição
Os que se arreliam por não terem sido convidados
Os que não foram convidados, mas lá estão à porta
Os que trazem a lista completa da dieta
Os que vêm com as plantas de sala, os bebés e
o São Bernardo
Os vizinhos que não conseguem dormir com a música
Os que contam todo o tempo anedotas de judeus
Os que bebem só água mineral
Os que vêm já com os olhos a fechar-se
Os que não param de se fotografar uns aos outros
Os que fumam só na varanda
Os que sabem sempre tudo o que há e entre quem e quem
Os que dizem enfaticamente mas que isto fique entre nós
Os que beberam já whiskey a mais
Os que ainda têm de dar um pulinho a outra
Os que ficam até depois de já todos terem saído
Os que são bem-vindos mesmo sem antes terem telefonado
Os que é pena não estarem, porque estão debaixo da terra
Sim é verdade, faltei sem motivo.
Na mais premente das aflições
não acorri logo.
Noites de amor extraviadas,
no jogo do entra e sai com a bola uma desgraça,
e nunca aprendi a nadar como deve ser.
a lutar até ao último cartucho.
Não dei um beijo
na mão fraterna do vagabundo,
e descurei a rega
das begónias dos vizinhos.
intimidado à ideia
de melhorar o mundo,
nem uma vez subi e desci quando devia,
e não tomei as pastilhas
três vezes por dia.
a ideia de matar gente. Sim,
não telefonei.
Para já, prescindi
até de morrer.
Se puderem, desculpem.
RETOUR À L’EXPÉDITEUR
Muito obrigado pelas nuvens.
Muito obrigado pelo cravo bem temperado
e, por que não, pelas botas de Inferno forradas.
Muito obrigado pelo meu cérebro singular
e pelos outros órgãos todos que não estão à vista,
pelo ar, e naturalmente pelo vinho de Bordéus.
Muito agradecido por não se me acabar o isqueiro,
e os agudos anseios, e a piedade, a incessante piedade.
Muito obrigado pelas quatro estações,
pelo algarismo e e pela cafeína,
e claro pelos morangos no prato
pintado por Chardin, e também pelo sono,
pelo sono muito especialmente,
e, não vá eu esquecer-me,
igualmente pelo início e pelo fim
e pelos minutos de permeio,
um obrigado muito encarecido,
e por que não também pelas toupeiras lá fora no jardim.
•
Hans Magnus Enzensberger nasceu na
Baviera a 11 de novembro de 1929. Estudou Literatura e Filosofia em várias
universidades europeias, incluindo Hamburgo e Sorbonne. Entre 1965 e 1975 foi
parte no Grupo 47, período quando criou e dirigiu a revista Kursbuch e a
série literária Die andere Bibliothek. Autor de extensa obra, escreveu
ensaio, romance, novela, crônica e poesia, gênero no qual estreou em 1957 com Defendendo
os lobos. Em 2002 foi premiado com o Príncipe das Astúrias. Morreu no dia
24 de novembro de 2022 em Munique.
* Tradução de Alberto Pimenta
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